No início deste mês de junho de 2021 ocorreu a promulgação e publicação da Lei Complementar n. 182, cuja qual instituiu o marco legal das startups e do empreendedorismo inovador, promovendo diversas alterações no ordenamento legal vigente, bem como estabelecendo princípios e diretrizes para atuação da Administração Pública junto aos entes federativos, além de apresentar medidas de fomento para o ambiente de negócios e disciplinando processos licitatórios e de contratação por parte do Poder Público.
Pois bem, inicialmente mostra-se necessário a conceituação do termo startup, originário da língua inglesa e sem tradução oficial para a língua portuguesa, e que passou a ser mais utilizado após a crise das empresas ponto-com, entre os anos de 1996 e 2001 em virtude da bolha especulativa que surgia com o crescimento acelerado das novas empresas de tecnologia da informação, como Google e Yahoo!
A partir daí, passou-se a considerar startup como empresas emergentes que possuem como objetivo desenvolver ou aprimorar um modelo de negócios diferenciado e com alto potencial de crescimento e que, em razão disso, necessitariam de investimentos externos para que pudessem se desenvolver e se tornarem competitivas ou, ao menos conhecidas aos olhos da população.
Deste modo, surgiram várias espécies de startup, tais como B2B (Business to Business), B2C (Business to Consumer), B2B2C (Business to Business to Consumer), bem como formas de investimento para esses tipos de negócio, como Investimento próprio (Bootstrapping), Investimento-Anjo, entre outros.
Nesse aspecto, cuidou a nova Lei por conceituar as startups, em seu artigo 4o, in verbis: São enquadradas como startupsas organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados.
Noutro vértice, coube também à nova lei pautar os princípios e diretrizes que irão reger a sistemática dessa nova modalidade de empresa, merecendo destaque a intenção de modernização do ambiente de negócio no Brasil, além do aperfeiçoamento das políticas públicas e instrumentos de fomento ao empreendedorismo inovador, a promoção de uma melhor competitividade entre as empresas brasileiras e a atração de investimentos estrangeiros (art. 3).
Posto isso, e já adentrando em um dos temas mais importantes trazidos pela nova Lei, mostra-se necessário que todos os interessados nessa nova modalidade de negócio estejam atentos ao preenchimento dos requisitos que irão permitir com que empresas ou até o próprio empresário individual possam angariar recursos e se beneficiarem da sistemática trazida pela nova regulamentação.
Assim, passa-se a listar os requisitos legais para que se possa receber o tratamento especial da Lei ora em análise:
Inicialmente, quanto ao enquadramento legal das entidades jurídicas aptas para atuarem na modalidade de startup, poderão estas ser:
a) a empresa individual de responsabilidade limitada;
b) as sociedades empresárias;
c) as sociedades cooperativas ;
d) as sociedades simples, ou seja, as sociedades que desenvolvem atividade econômica não empresarial;
e) e o empresário individual.
Além disso, é necessário que referidas entidades preencham também os seguintes critérios:
I – receita bruta de até R$ 16 milhões no ano anterior ou de R$ 1.333.334,00 multiplicado pelo número de meses de atividade no ano anterior, quando inferior a 12 meses, independentemente da forma societária adotada;
II – com até 10 anos de inscrição no CNPJ; e
III – que atendam a um dos seguintes requisitos, no mínimo:
a) declaração em seu ato constitutivo ou alterador e utilização de modelos de negócios inovadores para a geração de produtos ou serviços; ou
b) enquadramento no regime especial Inova Simples (art. 65-A da LC 123/2006).
Outro ponto bastante interessante trazido pela nova lei, aborda os instrumentos de investimento com que as startups poderão utilizar para promoverem inovações, admitindo-se aporte de capital por pessoa física ou jurídica que poderá resultar ou não em participação no capital social da startup, a depender da modalidade de investimento escolhida pelas partes (art. 5o). Portanto, a própria sistemática legal permite com que as startups sejam fomentadas pelo chamado “investidor anjo”, ou seja, aquela pessoa física ou jurídica que investe recursos para que a empresa se desenvolva sem necessariamente adentrar no quadro societário da empresa ou interferir na gerência desta, sendo apenas remunerado pelos aportes que provê àquela entidade, sem qualquer risco de responder por qualquer dívida da startup, inclusive em recuperação judicial ou ainda em eventual Desconsideração da Personalidade Jurídica desta.
Referida dinâmica de investimento possibilidade uma enorme vantagem a empresa, ora, startup, posto que os recursos investidos por este “investidor anjo” não integram o capital social da empresa, tampouco a receita da sociedade, possibilitando, assim, que a mesma permaneça enquadrada no modelo tributário do SIMPLES, por exemplo.
Não obstante, a própria lei traz também outros instrumentos de investimento para a não integração no capital da sociedade, como, por exemplo, contrato de mútuo conversível em participação societária celebrado entre o investidor e a empresa, estruturação de sociedade em conta de participação celebrada entre o investidor e a empresa, entre outros.
Autorizou-se, também, que empresas que possuem obrigação de investir dinheiro em pesquisa, desenvolvimento e inovação possam cumprir tais compromissos com aporte de recursos em startups, por meio de:
I – fundos patrimoniais (Lei nº 13.800/2019), destinados à inovação, na forma do regulamento;
II – Fundos de Investimento em Participações (FIP), autorizados pela CVM, nas categorias:
a) capital semente;
b) empresas emergentes; e
c) empresas com produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação; e
III – investimentos em programas, em editais ou em concursos destinados a financiamento, a aceleração e a escalabilidade de startups, gerenciados por instituições públicas, tais como empresas públicas direcionadas ao desenvolvimento de pesquisa, inovação e novas tecnologias, fundações universitárias, entidades paraestatais e bancos de fomento que tenham como finalidade o desenvolvimento de empresas de base tecnológica, de ecossistemas empreendedores e de estímulo à inovação.
Assim, abre-se a possibilidade de que as empresas, ao cumprirem exigências legais oriundas de algum outro contrato com o Poder Público, se beneficiem com investimentos que fomentem o fortalecimento de um novo negócio, gerando empregos e auxiliando na competitividade e amadurecimento do ambiente de negócios no Brasil.
Há, ainda, outro aspecto de suma importância trazido pela nova legislação e que merece igual destaque, que é a possibilidade de contratação de soluções inovadoras por parte da Administração Pública Direita (órgãos da União, Estados e Municípios) e Indireta (Autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações públicas e consórcios públicos), a fim de: a) Resolver demandas públicas que exijam solução inovadora com emprego de tecnologia e; b) promover a inovação no setor produtivo por meio do uso do poder de compra do Estado.
Para referidas contratações deverá o Ente Público poderá contratar pessoas físicas ou jurídicas, isoladamente ou em consórcio, para o teste de soluções inovadoras por elas desenvolvidas ou a ser desenvolvidas, com ou sem risco tecnológico, observando os regramentos trazidos pela nova lei, consistente em nova modalidade de licitação, cuja qual poderá restringir-se a delimitar qual o problema a ser resolvido pela startup, bem como os resultados esperados por sua atuação, devendo o edital da licitação ser divulgado, com antecedência de, no mínimo, 30 (trinta) dias corridos até a data de recebimento das propostas, sendo posteriormente avaliadas e julgadas por comissão especial integrada por, no mínimo, 3 (três) pessoas de reputação ilibada e reconhecido conhecimento no assunto, das quais: I – 1 (uma) deverá ser servidor público integrante do órgão para o qual o serviço está sendo contratado; e II – 1 (uma) deverá ser professor de instituição pública de educação superior na área relacionada ao tema da contratação.
Quanto aos critérios de julgamento para a melhor proposta, determina lei em seu artigo 13, §4o:
§ 4º Os critérios para julgamento das propostas deverão considerar, sem prejuízo de outros definidos no edital:
I – o potencial de resolução do problema pela solução proposta e, se for o caso, da provável economia para a administração pública;
II – o grau de desenvolvimento da solução proposta;
III – a viabilidade e a maturidade do modelo de negócio da solução;
IV – a viabilidade econômica da proposta, considerados os recursos financeiros disponíveis para a celebração dos contratos; e
V – a demonstração comparativa de custo e benefício da proposta em relação às opções funcionalmente equivalentes.
Vale destacar a possibilidade de escolha de mais de uma proposta pelo Ente Público, bem como a não adoção do critério de menor preço para tal, sendo que a análise da documentação relativa à habilitação da empresa será feita após a fase de julgamento das propostas formuladas e havendo também a possibilidade do Ente negociar aspectos da contratação a fim de alcançar condições econômicas mais vantajosas para a Administração.
Finalizado o processo licitatório, e homologado o resultado, a Administração Pública celebrará o chamado Contrato Público para Solução Inovadora (CPSI), com as propostas selecionadas, com vigência limitada a 12 (doze) meses, prorrogável por mais um período de até 12 (doze) meses, que deverá conter obrigatoriamente diversas cláusulas contendo metas a serem atingidas, forma e periodicidade da entrega dos produtos ou serviços, a definição da titularidade dos direitos de propriedade intelectual das crianças resultantes do contrato, entre outros.
Quanto ao valor máximo admitido para contratação, estabelece a lei que o valor máximo a ser pago à contratada será de R$ 1.600.000,00 (um milhão e seiscentos mil reais) por CPSI, sem prejuízo da possibilidade de o edital de que trata o art. 13 desta Lei Complementar estabelecer limites inferiores, podendo esse valor ser anualmente atualizado pelo Poder Executivo federal, de acordo com o IPCA (art. 12, § 3º).
Quanto à espécie de remuneração, admitem-se as seguintes opções, sendo realizadas, em regra, após a execução dos trabalhos:
I – preço fixo;
II – preço fixo mais remuneração variável de incentivo;
III – reembolso de custos sem remuneração adicional;
IV – reembolso de custos mais remuneração variável de incentivo; ou
V – reembolso de custos mais remuneração fixa de incentivo.
Outro aspecto interessante trazido pela Lei, é a continuidade da parceria entre o Poder Público e a startup com a elaboração do chamado Contrato de Fornecimento, cujo qual poderá ser elaborado após o encerramento do contrato originário, sem nova licitação, com o objetivo de obter-se o fornecimento do produto, do processo ou da solução resultante do CPSI ou, se for o caso, para integração da solução à infraestrutura tecnológica ou ao processo de trabalho da administração pública.
Quanto a vigência deste Contrato de Fornecimento, prevê a lei o limite de 24 (vinte e quatro) meses, prorrogáveis por mais um período de até 24 (vinte e quatro) meses, estando os valores limitados a 5 (cinco) vezes o valor máximo definido na Lei, ou seja, R$ 1.600.000,00 (um milhão e seiscentos mil reais).
Por fim, vale registrar que a referida Lei entrará em vigor apenas em 31/08/2021, ou seja, 90 (noventa) dias a contar da sua publicação, tempo este suficiente para que empresas e empresários possam se organizar a fim de obterem todas as vantagens e benefícios trazidos para promover o crescimento do setor econômico e de investimentos no Brasil.
Henrique Hinterholz
OAB/SC 41.412